Toda vez que balanço as redes pelo Manchester City, minha mãe me telefona. Assim que a bola balança na rede, o telefone toca, não importa se ela está no Brasil ou no estádio me assistindo jogar. Eu corro até a bandeirinha de escanteio, coloco a mão no ouvido e digo: “Alô, mãe!” Quando cheguei ao City, as pessoas acharam isso muito engraçado e sempre perguntavam o que isso significava. A resposta rápida é: eu amo minha mãe e ela está sempre me ligando.
Mas a resposta longa começa quando eu era apenas um menino com um sonho. No Brasil, milhões de meninos têm sonhos, mas eu tive sorte, porque no meu caminho, conheci alguns super-heróis. Não ria, é verdade, e eu vou provar para você.
A Infância no Jardim Peri
Eu cresci em um bairro chamado Jardim Peri, na zona norte de São Paulo. Para algumas pessoas que moram lá, a vida é uma luta. Eu fui sortudo, pois minha mãe trabalhava muito duro para garantir que nossa família tivesse comida na mesa. Mas muitos dos meninos com quem cresci enfrentavam dificuldades ainda maiores. Às vezes, eles só tinham uma única refeição por dia, que era a que recebiam dentro do clube.
Para ser sincero, muitos deles nem apareciam para jogar; eles vinham apenas para se encontrar e comer o sanduíche de mortadela com refrigerante. Era sempre pão com mortadela e uma lata de refrigerante. Às vezes, era só o refrigerante. Isso tinha que durar até o fim do dia.
O Clube Pequeninos
Para mim, todos os meus sonhos, tudo que tenho agora, começa com o Clube Pequeninos. Na verdade, é mais do que um clube de futebol. Não pense em praias e todo esse tipo de coisa; nosso campo era ao lado de uma prisão militar. O lugar onde jogávamos era só sujeira, cercado por grandes pinheiros. As únicas pessoas que jogavam lá, além das crianças, eram os policiais.
Com nove anos, fui até lá com meu amigo Fabinho pra ver se a gente conseguia uma chance no time Andamos pela mata com nossas chuteiras de futebol debaixo do braço e conhecemos o cara que mudou nossas vidas, José Francisco Mamede, o técnico do time mais novo. Ele disse que poderíamos jogar na próxima partida.
Heróis Sem Capa
Não havia papel para assinar, nada. Porque esse clube não é sobre transformar crianças em lucro; é sobre mostrar a elas algo positivo, dar-lhes algo para comer e mantê-las longe das ruas. O Pequeninos não é um clube grande, então você provavelmente nunca ouviu falar dele. Mas eles fazem milagres por lá.
Era engraçado porque o técnico Mamede tinha um velho Fusca branco, provavelmente dos anos 70, e levava todos os meninos nele. Nós éramos tão pequenos que cabíamos em 9 ou 10 dentro daquele carro, mais as chuteiras, as bolas e as cestas básicas. O que esse clube fez por aqueles meninos é incrível.
No Brasil, temos um nome para essas pessoas: heróis sem capa. E foi exatamente isso que ele significou para muitos de nós. Mamede e os outros técnicos do Pequeninos nos deram uma chance na vida. Para mim, o amor pela bola era tudo. Os treinos no Pequeninos eram só duas vezes por semana, então, nos dias livres, eu jogava bola pelas ruas do Jardim Peri.
As Lutas e as Conquistas
Às vezes eu ficava jogando bola com meus amigos até meia-noite, depois a gente conversava sobre as meninas e tirava sarro uns dos outros até às duas da manhã. Em casa, não havia muito o que fazer. Meu pai deixou a família logo depois que eu nasci, então minha mãe trabalhava todo santo dia para sustentar eu e meus irmãos. Ela trabalhava como faxineira na cidade e, ao voltar pra casa no fim do dia, ainda precisava compartilhar a cama comigo e com um dos meus irmãos.
Alguns garotos tinham videogames. Eu tinha uma bola e minha imaginação, e isso foi legal porque eu tive uma infância de verdade. Haviam grandes torneios de futebol onde cada rua tinha um time, e o troféu era uma garrafa de refrigerante. Era uma guerra por aquele refrigerante! Sério, era mais importante para nós do que uma Libertadores. Se você ganhasse o título, você passava a garrafa para os amigos e era como se fosse a melhor coisa do mundo.
Desafios no Futebol
Quando eu tinha 13 anos, algo realmente me marcou. O nosso time Pequeninos entrou em um campeonato importante em São Paulo. E cara, éramos bons! Nos jogos das primeiras rodadas, vencemos por 12 ou 13 gols. Mas quando chegamos à final, enfrentamos a Portuguesa de Desportos, um time profissional. A única razão pela qual clubes grandes entravam no campeonato era que podiam selecionar os jogadores dos times menores.
Na final, uma tempestade veio um dia antes do jogo e choveu tanto que, quando amanheceu, as pessoas falavam que talvez teríamos que cancelar a partida. Quando começamos o jogo, o campo estava todo enlameado. Ninguém conseguia ficar em pé, mas os jogadores da Portuguesa estavam bem, porque eles tinham chuteiras com travas de metal. As nossas eram baratas, com travas de borracha, todas gastas.
Mesmo com todas as dificuldades, nos entregamos de corpo e alma pra vencer, mas acabamos derrotados por 4 a 2. Jamais vou esquecer a imagem da Portuguesa erguendo o troféu na nossa frente. Aquilo foi uma lição valiosa para mim. O futebol é como a vida: não é justo, então você tem que dar um jeito mesmo assim.
Superando Obstáculos
Nos anos seguintes, as coisas ficaram mais difíceis. Se você tem o sonho de se tornar um jogador de futebol no Brasil, geralmente está na academia de um grande clube aos 12 ou 13 anos. Mas, por alguma razão, as coisas não estavam funcionando bem para mim. Fiz um teste no São Paulo e eles gostaram de mim, mas me disseram que não poderiam me oferecer um quarto na academia, pois era muito longe da minha casa.
Se eu fosse de ônibus para lá todos os dias, teria que largar a escola, e minha mãe definitivamente não ia aceitar isso. Ela era totalmente a favor da escola. Eu devo tudo a ela, especialmente nessa fase da minha vida, porque muitos garotos de origem humilde têm que começar a trabalhar aos 14 anos para ajudar a família. Não dá para apenas jogar futebol. Tem que ir para a escola e trabalhar ao mesmo tempo.
Mas minha mãe acreditou em mim. Por alguma razão, ela acreditou. Ela me disse para continuar, não importava o que eu tivesse que fazer. Então, aos 13 anos, comecei a jogar com os caras mais velhos da Várzea.
A Várzea e Seus Desafios
Todo mundo em São Paulo sabe do que estou falando agora. A Várzea é como o basquete de rua nos Estados Unidos, ou como uma liga semi-profissional de futebol na Europa. Os campos eram todos cheios de buracos, e a gente enfrentava os caras mais velhos, duros na queda, verdadeiros casca-grossa. É conhecida por ser extremamente física.
Havia um jogo importante contra um time grande. Eles sempre tiveram uma das melhores equipes da Várzea, mas estavam fora da liga por alguns anos. Era a estreia deles no retorno, e a gente disputava uma vaga em um torneio mais importante. Eu lembro de todos os jogadores deles olhando para mim e dizendo: “Que moleque é esse?”
Quatro minutos de jogo, eu dobrei o melhor zagueiro deles e marquei um gol. Depois disso, começaram a me bater toda vez que eu tocava na bola. Um baixinho do time deles, conhecido por ser valentão, me ameaçou: “Vou quebrar suas pernas se você tentar me driblar de novo.” Eu peguei a bola e driblei ele novamente.
Era como um lance da NBA, eu quebrei as pernas dele e ele caiu. Eles ficaram loucos comigo. O jogo terminou 2 a 2, e nós ganhamos nos pênaltis. Eles ficaram revoltados. No apito final, o valentão veio para mim e disse: “Eu falei que ia quebrar suas pernas.” Eu pensei: “Caramba, talvez eu não saia daqui!” Mas, por sorte, meus colegas de time me protegeram.
Uma Virada na Vida
No Natal do ano passado, voltei para casa e tive que ir ao banco resolver algumas coisas. Quando fui pegar meu carro no estacionamento, o cara que cuida dos tickets me deu uma olhada, como se me conhecesse. Ele devolveu o ticket mas ainda me olhava e disse: “Lembra de mim? Da Várzea! Eu ia quebrar suas pernas!”
Eu fiquei em choque. Ele disse: “Cara, eu realmente ia quebrar suas pernas, e agora você joga pelo meu time! Eu te amo, cara! Não posso acreditar nisso!” Nós rimos e tirei uma foto com ele. É engraçado como a vida pode mudar dessa forma.
Há cinco anos, eu ainda estava na Várzea, lutando pra me manter e sonhando em chegar a um time grande no Brasil. Joguei com muitos jogadores que hoje são motoristas de ônibus ou trabalham no supermercado. E não foi porque não eram bons jogadores ou não se esforçaram, mas muitas vezes é sobre sorte e oportunidade.
O Suporte da Minha Mãe
Se eu não tivesse o apoio da minha mãe, provavelmente estaria no mesmo caminho desses outros jogadores da Várzea. Mas ao invés disso, tive a oportunidade de fazer um teste no Palmeiras, e aos 15 anos, tudo decolou para mim. Não consigo nem explicar. Foi como destino. Deus escreveu tudo perfeitamente.
Fiquei no time júnior e assinei meu primeiro contrato de verdade. De lá para cá, o tempo passou voando. Subi para o time profissional, me destaquei e acabei convocado para a seleção brasileira, onde joguei nas Olimpíadas do Rio em 2016.
Conquistando Sonhos
Quando recebi aquela ligação, foi uma emoção inexplicável. Para você entender o que esse momento significou para mim: apenas dois anos antes, eu estava nas ruas do Jardim Peri, pintando as calçadas de verde e amarelo para a Copa do Mundo de 2014. Dois anos depois, eu estava jogando nas Olimpíadas.
O campeonato de 2016 foi muito especial para os brasileiros, pois a medalha de ouro olímpica era a única conquista que o país do futebol nunca tinha conseguido. Lembro do peso daquele campeonato, especialmente após o que aconteceu na última Copa. Depois que não jogamos bem nas duas primeiras partidas, a crítica ficou intensa.
Eu admiro muito Neymar pela maneira como lidou com tudo isso e pela forma como liderou nosso time. Antes do campeonato, eu era só mais um fã do Neymar, assim como tantos outros. Mas tive a chance de conhecer quem ele realmente é. Ele trata todos como irmãos.
Uma Nova Jornada em Manchester
Quando ganhamos a medalha de ouro, foi um momento incrível para o time e para o país. Antes do torneio, Neymar fez uma tatuagem, e eu me inspirei nele para fazer a minha também. Representa uma criança pequena olhando para as favelas com uma bola de futebol debaixo do braço, sonhando com seu momento de glória.
Não sou só eu, não é só o Neymar, são muitos brasileiros. E é isso que essa tatuagem significa para nós. Eu sempre vou fazer de tudo para jogar pela Seleção Brasileira, e essa foi a grande razão pela qual decidi vir para o Manchester City. Eu sei que preciso continuar me desenvolvendo como jogador.
É muito diferente do Brasil. Você não vê muito sol aqui. Recebi algumas ofertas para jogar em clubes em lugares mais quentes, mas para mim, a decisão de vir para o Manchester City tinha um peso maior por poder jogar sob o comando de Pep Guardiola.
Desafios e Superações
Quando cheguei a Manchester, me senti perdido. Minha mãe estava indo e vindo do Brasil, e era extremamente difícil ficar longe dela. Ela foi tudo na minha vida, foi pai e mãe para mim. Quando jogava no Pequeninos, via outras crianças acompanhadas dos pais, enquanto eu estava sozinho. Isso me marcou bastante.
Mas agora, quando alguém pergunta sobre meu pai, eu digo que minha mãe é meu pai. Ela fez tudo por mim e pelos meus irmãos. Ela foi outra heroína sem capa. Então, quando marco um gol, mesmo quando ela não está no estádio, eu “pego o telefone” e falo com ela.
Quando éramos crianças, minha mãe ligava o tempo todo para descobrir onde eu estava. Se eu não atendesse, ela começava a ligar para todos os meus amigos. ‘Alô, mãe!’ É uma homenagem a ela e à nossa luta, mas também aos meus amigos, à minha família, ao técnico Mamede e a todas as pessoas no Brasil que me ajudaram a chegar onde estou.
A Mensagem Final
Eu sempre fui um sonhador. Mesmo nos meus melhores sonhos, nunca pensei que estaria vivendo o que estou vivendo hoje. Sei que existem muitos meninos que estão pintando as ruas e que não jogam por um grande clube, e que as pessoas dizem que eles não vão chegar lá. Eu diria a eles: nunca parem de lutar.
Quatro anos antes de entrar pelo túnel do estádio Etihad, eu ainda estava jogando na Várzea, e os caras falavam que iam quebrar minhas pernas. Sua vida agora pode ser apenas um sanduíche de mortadela com refrigerante, mas se você continuar correndo atrás dos seus sonhos, quem sabe o que pode acontecer? A água pode se transformar em vinho.
Então, para todas as crianças que chegaram até aqui na minha história, eu tenho uma mensagem muito importante: jamais parem de sonhar. E façam mais uma coisa por mim: liguem para suas mães. Elas sentem saudade de vocês.